segunda-feira, 7 de junho de 2010

Rock Rural

O ROCK RURAL DE CABO A RABO!
40 anos de história - by Flávio Roberto Landau

Não é novidade nenhuma que o Brasil sempre foi rico em misturas, mas daí dizer que há 40 anos seria possível mesclar Luiz Gonzaga (figura marcante do nosso folclore), Bob Dylan (maior expoente do folk-rock americano) e fragmentos da psicodelia hippie “woodstockniana”, como Crosby, Still and Nash, America e The Eagles parece impossível não é? Mas não é não! Esta é a verdadeira essência do Rock Rural.



No final dos anos 60, enquanto ainda explodia o movimento tropicalista, o baiano assumidamente caipira, Tom Zé, o maestro Rogério Duprat juntamente com o grupo o Terço, e o grupo “Som Imaginário”, com seu Jazz-fusion-montanhístico, já mostravam pequenos indícios de que algo novo estava prestes a acontecer.



Duas canções em especial marcaram esta transição. A bem-humorada “2001” de Tom Zé e Rita Lee, gravada pelos Mutantes em 1969 e “Casa no Campo” do grande mentor Zé Rodrix em parceria com Tavito, tornaram-se o ponto crucial para a formação do novo gênero.



“Casa no Campo”, que mais tarde seria regravada por Elis Regina, além de ter sido premiada no VI Festival da canção de Juiz de Fora, fez com que a mídia carioca sedenta pela novidade classificasse como “rock rural” a música que essa "nova turma" fazia, até porque Sá também havia sido premiado com a música “Margarida” em uma das edições anteriores.



É claro que por mais bem-vindo que fosse, este rótulo não fez a mistura se tornar oficialmente um movimento. Porém, quase um ano depois, Zé Rodrix se juntou à dupla Sá e Guarabira e daí pra frente só tinham um destino – A estrada. O trio Sá, Rodrix & Guarabira foi oficialmente o primeiro grupo a chamar a atenção pela tamanha personalidade.



Em um mix de folk, rock, recheados de violões, violas e um arranjo vocal em perfeita sincronia e afinação, os álbuns “Passado, Presente e Futuro” de 72 e “Terra” de 73 são verdadeiras obras-primas do novo gênero. O primeiro trazia “Primeira Canção da Estrada”, o hino da geração estudantil da época, além de “Zepelim” e “Hoje Ainda é Dia de Rock”; o álbum “Terra” reunia as músicas “Pendurado no Vapor” e “Mestre Jonas”.



Porém ainda em 1971, Eduardo Araújo e Ségio Reis, até então ícones da Jovem Guarda, não tiveram medo de ousar em assumir seus lados caipiras. Eduardo que já havia regravado Asa Branca também regravou Joazeiro, com extrema personalidade vocal!



E Sérgio Reis regravou o clássico Menino da Porteira, que até hoje é muito executada nas rádios do país. Estes dois pontos em especial fortaleceram demais a maturação do gênero que se estendeu pelos anos seguintes.



Os anos de 1972 e 1973 talvez tenham sido os mais importantes para a época. Milton Nascimento e Lô Borges conceberam o LP “Clube da esquina” considerado até hoje uma verdadeira obra-prima da música brasileira.



O grupo Rui Maurity & Trio lançou o clássico “Em Busca do Ouro” e os pernambucanos do “Quinteto Violado”, com seu disco homônimo de estréia trouxe uma excêntrica versão de “Asa Branca”, tornando-se uma referência para o estilo. Detalhe mais que especial para a capa! Talvez a mais impactante produzida até hoje.



A maneira como a mistura realmente funcionava era visível pela quantidade de artistas que começaram a buscar em suas raízes, outros novos dizeres. Muitos deles haviam deixado suas cidades natais para encararem a vida nos grandes centros, mas não deixaram que isso influenciasse em suas composições, pelo contrário, exploram ainda mais suas origens para se tornarem o mais original possível.



Dois grandes exemplos que colocaram essa originalidade em alta foram: 1. O lançamento do álbum "Disco dos 4" de Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta com a canção “Manoel O Audaz” e 2. O clássico "Canteiros" de Raimundo Fagner.



Até que, no final de 1973, Raul Seixas, explodiu com a canção “Ouro de tolo”, colocando de vez o então aclamado rock rural nos ouvidos do país inteiro.



Da segunda metade dos anos setenta em diante, álbuns clássicos foram sendo lançados em vários cantos do país. Em 1975, no Sul, destacou-se o grupo Almôndegas, de onde saiu a dupla Kleiton & Kledir, as canções “Vento Negro” do compositor Fogaça se tornou um hino do Rio Grande do Sul e a emblemática “Canção da meia-noite”, trans- formou Porto Alegre em um enorme celeiro musical e tornando-se a capital da produção de vídeo clipes no Brasil.



Geraldo Azevedo e Alceu Valença que também migraram para o sudeste do país trouxeram na bagagem toda beleza da música pernambucana. Na Bahia, despontou o Bendegó, com o álbum “Onde o olhar não mira” de 76, grupo que revelou Vermelho e Hely, figuras que mais tarde se consagrariam ao lado de Flávio Venturini no 14 bis que também eram remanescente do grupo O Terço.



Em São Paulo, no ano de 77, o Flying Banana, lança seu único porém importantíssimo LP. Em 1978, houve uma overdose de lançamentos: no Rio de Janeiro, Zé Ramalho lançou seu primeiro álbum recheado de sucessos como “Avôhai” e “Chão de Giz”; Zé Geraldo lançou o sucesso “Cidadão”, com o álbum “Terceiro Mundo”; Renato Teixeira, o álbum “Romaria”; o Terço, “Mudança de Tempo”, com a canção “Gente do Interior”, e a dupla Luli e Lucinha com o álbum “Nós lá em casa” se tornaram fundamental para a formação dos roqueiros rurais atuais.



Mesmo com a explosão do rock nacional dos anos 80 dos grupos paulistas, cariocas e a turma de Brasília, a magia do rock rural ainda permaneceu. Em 1982, no lendário teatro do “Lira Paulistana”, o maior movimento vanguardista do país, noites inesquecíveis marcaram o início da música independente no Brasil.



Num projeto especial, chamado “Voz e Viola”, que teve a duração de 2 meses em cartaz, os maiores nomes até então já conhecidos nacionalmente enchiam de poeira e poesia o palco da vanguarda paulistana, dentre eles, Tetê Espíndola, Duofel, Almir Sater, Zé Geraldo, Flying Banana e Sá e Guarabira.



No sul do país, o bom-humor abrilhantava cada dia mais o cenário, créditos totais aos grupos “Saracura” de Nico Nicolaiewski (também integrante do grupo Tangos e Tragédias), os paranaenses do “Blindagem” e o grupo “Expresso Rural” de Santa Catarina, que até hoje mantém a chama da canção da estrada ainda acesa e celebram seus 25 anos de carreira.



Na segunda metade da década de 80, as novelas colocaram Sérgio Reis, Almir Sater, Zé Ramalho e Renato Teixeira para sempre na história da música brasileira;



Destaque especial aos artistas Geraldo Roca e Paulo Simões, pela enorme contribuição ao gênero! Ambos presentaram o Brasil com clássicos como “Trem do Pantanal"!



Artistas como Renato Russo, nosso eterno trovador solitário, deixou mais que explícito em “Eduardo e Mônica”, “Quase sem querer” e “Faroeste Caboclo” ser um verdadeiro contador de histórias, quesito básico no gênero. Outro nome importantíssimo é o cantor e compositor Oswaldo Montenegro, com o disco “Aos filhos dos Hippies” extremamente bem produzido, é uma referência aos amantes da estrada.



O ROCK RURAL ATUAL

Dos anos 90 até hoje, a música brasileira se reinventou de uma maneira extraordinária! Kakinho Big Dog, super bem humorado, Zeca Baleiro mesclou a embolada com o rock; “Raimundos” descobriu o “forrocore”; “Nação Zumbi”, “Mundo livre S/A”, “Cascabulho”, “Sheik Tosado” e “Cordel do Fogo Encantado” eletrificaram seus repentes e deram vida nova aos versos regionais.



No sul, o grupo “Cowboys Espirituais” e o ex-Replicantes Wander Wildner, com o cd “Baladas Sangrentas”, lançaram álbuns riquíssimos em arranjos e produções bem fiéis às referências do estilo, violões, violas e still guitars, e gaita.



Já em 2000, com Nando Reis e o álbum “Pra quando o arco-íris encontrar o pote de ouro”, a coisa esquentou de novo! O álbum inteiro é um mix de rock, folk e mpb, recheado de bom gosto, deixando claro ser na atualidade um dos nossos maiores expoentes.



Outros artistas que surgiram no início dos anos 2000, como o grupo “Matanza” e os mineiro "Landau" , mostram uma nova ramificação do estilo, ao valorizarem a irreverência, o bom- humor e as guitarras pesadas herdadas da explosão do rock, do hardcore e do metal.



Ramificação esta, muito explícita nos trabalhos atuais dos grupos "Comitiva do Rock", “Hardneja Sertacore”, “Charme Chulo”, “Alisson Quatro”, “Dólar Furado”, “Os pistoleiros”, “Pedra Letícia”, “Agrocore” e o trabalho solo de "Hudson Cadorini".



Vale a pena ressaltar que, embora esta ascensão do folk e do folk-rock pelo mundo a fora possa parecer “coisa de momento”, o cenário atual nunca esteve tão criativo! artistas como, “Tor Tauil”, “Lestics”, “Vanguart” e “Nô Stopa” garantem, com certeza, seu lugar cativo no gênero.



UM CAPÍTULO À PARTE! QUANDO O SERTÃO ENCONTRA O ROCK!

Nestes mesmos 40 anos de história, muitos artistas genuinamente sertanejos começaram a sentir na pele a necessidade de se modernizarem. Duplas como Léo Canhoto e Robertinho e Milionário e José Rico, pioneiros em usar a guitarra elétrica em suas obras, deixaram marcas profundas no cenário da música popular brasileira.



Uma obra muito expresiva desta época! um encontro gravado ao vivo mais que especial de Renato Teixeira com a dupla caipira Pena Branca e Xavatinho merecem um enorme destaque nesta história!



No início dos anos 2000, a experiente dupla Christian e Ralf, que seguiu os passos setentistas de Sérgio Reis e Eduardo Araújo, lançou o álbum “Viajando pelo Brasil”, em que, ao mesclarem sanfona com guitarras distorcidas do início ao fim, dão-nos uma clara idéia de que uma vez roqueiro, roqueiro até morrer. Ralf, em particular, criador do SMD (formato de mídia e cópia digital), revolucionou o cenário musical, principalmente na cena independente.



O movimento “Clube da Viola” e o hit “Clima de Rodeio” da banda Dallas Company, colocaram o country em primeiro lugar das paradas, entopindo os ouvidos da juventude e originando o que hoje chamamos de Sertanejo Universitário, duplas como Jorge e Matheus, Víctor e Léo e João Bosco e Vinícius continuam a modernizar cada vez mais a nossa música sertaneja.



Mas assim é a história, os tempos vão mudando e tudo tende a se modernizar mesmo, e quanto mais pudermos conectar a poeira e o asfalto, mais criativos seremos, e isso que faz a nossa música se diferir das demais do mundo.



É como Zé Geraldo diz: “Um pé no mato e um pé no rock!”


Agradecimentos

Fernando Rosa
Wilson Souto Jr.
Fredera
Maria das Graças Oliveira
Miki Malka Assessoria
Carina Zaratin
Henrique Ferrite
Raquel Lemos
Luciane Vital
Clemente
Luciana Schievano
Simone Ardanuy
Antônia Teixeira
Lestics

Créditos

Criação e Desenvolvimento: Landau
Texto: Landau
Correção: Maria das Graças Oliveira
Fotografia: Carina Zaratin e Henrique Ferrite
Diagramação: Landau

Fonte de Pesquisa:
Wikipedia
Acervo Super Vinil
www.landauonline.com
Crazy Discos
EMI
Continental
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Atração Fonográfica